Crónica de Alexandre Honrado – Há tanta ideia por pensar – Pensar Virgílio

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Pensar Virgílio

Há Tanta Ideia Por Pensar – Parte quatro
Uma pequena homenagem a Vergílio Ferreira

 

 

A arte pretendeu dar-nos um lado cromático e volumétrico, sensual do pensamento. Por vezes é a vida tal como a vida era ou pensava ser. Outras vezes, distorção. Mais tarde, a exaltação da fealdade. Hoje, a pele e as paredes são telas. A arte fica nelas. Alguns de nós ainda reparam nisso.

Já vivemos muitas vezes o fim do mundo e o mais inquietante na nossa era foi aquele que antecipava uma grande perda: íamos ficar sem a maior marca do progresso, o mundo dos computadores ia trair-nos. Bug Y2K foi o termo usado para batizar o fenómeno, mas os minimalistas e os mais afetivos, preferiram Bug. Era previsto ocorrer em todos os sistemas informatizados, na passagem do ano de 1999 para 2000, porque as datas eram representadas somente por 2 dígitos e os programas assumiam o “19” como um prefixo para formar o ano completo. Assim, quando o calendário mudasse de 1999 para 2000 o computador iria entender que estava no ano de “19” + “00”, ou seja, 1900. Tudo ficaria com cem anos de atraso.

Era traição. Nada se passou como a ansiedade previa. Mentem-nos. Como na greve dos camionistas que não queriam transportar os combustíveis e que alguns jornais e tevês transformaram em “crise de energia” ou “pânico no País”, quando era mais uma greve e umas filas para abastecer com o combustível fóssil que estava ao fim da rua num dos camiões e nas desgraças mediáticas pagas por uma oposição qualquer.

Já ninguém pensa nisso. No grande bug do milénio, que não o foi. Já ninguém se lembra. Como dos camionistas. Desapareceram numa curva da estrada.

Os nossos sistemas operativos são mais lúdicos?

A felicidade parece residir na aceitação do maior número de impurezas. Desde que não pensemos nelas. Ou partindo do princípio que elas não nos pensam.

O ser humano caminha sobre brasas acesas. Consegue, no entanto, fazê-lo num baloiço ingrato que o leva das utopias que gera às distopias que o entravam. Muitas vezes, da distopia faz nova utopia. Se as coisas fosse tão simples como nas histórias, podíamos acreditar que o nosso percurso é feito diante do bem e do mal e que nenhum dos dois nos torna definitivos. É muito difícil pensar nos nossos ilimitados dons. É mais difícil pensar que não os temos. Pensar é difícil.

Numa cidade, dessas que por instantes parecem um não lugar – sim, uma utopia – há maravilhamentos inesperados. O raio de sol que atravessa a gelosia e nos aquece o braço quando um pensamento mais frio nos atravessa, a janela aberta para um bando de pequenas aves verdes aos gritos pela manhã. Um nascente, um poente, uma lua cheia. Nenhuma janela de nós devia abrir-se para o vazio.

Uma utopia não pode nem deve ser mais do que uma antecâmara. E mal se atreva a julgar que vai concretizar-se, deve imediatamente esfumar-se, como um génio de uma lâmpada que não foi feito para conceder mas para ser. O que é fundamental não é pensar mas o que se imagina antes disso.

Essa relação entre o ódio e o amor que a política já demonstrou em tantas sepulturas, não devia fazer parte da categoria dos pensamentos. Ódio e amor não se pensam. O primeiro pode levar um homem a destruir um povo. O segundo pode levar um povo a desejar ser destruído por um só homem. Quando acaba o ódio não fica nada. Quando acaba o amor por vezes fica o ódio, ou um vazio tão amargo que assina a troca do pensamento por um novo sentimento perecível.

 

Alexandre Honrado

Historiador

 


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